Estavam, marido e mulher,
sentados no sofá assistindo ao telejornal tranquilamente como todas as noites,
despenteados e relaxados, quando a notícia estarreceu. Quase se entreolharam.
Ele fingiu que estava cochilando. Ela olhou pela janela como se estivesse
pensando em outra coisa.
- Só faltava essa! - Pensou
o marido.
-Era só o que me
faltava! - Pensou a esposa despenteada.
Passaram a ler o jornal diário com a tênue esperança de que tudo não passasse de mais um alarme falso da Ciência. Quando morreram os seis americanos, cada qual em seu canto, marido e mulher suspiraram aliviados. Mas as notícias seguintes foram desesperadoras: o remédio estava dando certo.
Enquanto a mulher lavava a louça de costas para a mesa, o marido, escondido pelo jornal aberto, percorreu com os olhos aquele corpo que vinha-se arredondando sem desejo.
Passaram a ler o jornal diário com a tênue esperança de que tudo não passasse de mais um alarme falso da Ciência. Quando morreram os seis americanos, cada qual em seu canto, marido e mulher suspiraram aliviados. Mas as notícias seguintes foram desesperadoras: o remédio estava dando certo.
Enquanto a mulher lavava a louça de costas para a mesa, o marido, escondido pelo jornal aberto, percorreu com os olhos aquele corpo que vinha-se arredondando sem desejo.
Estamos envelhecendo, murmurou ele, tão baixo
que ela nem ouviu. Fechou o jornal, largou em cima da mesa e saiu empurrando a
barriga e arrastando os chinelos de propósito.
Enquanto se afastava
devagar não viu o olhar sem alegria da mulher que o acompanhava de cima a
baixo.
Foi um homem bonito,
contando ninguém acredita. - Pensou ela voltando a encarar as
panelas. Depois do banho quente ela passou as mãos úmidas sobre o
vidro embaçado e olhou seu próprio corpo esquecido há tanto tempo. Nublada e
triste, estava patética. Virou de lado, empinou o pescoço e murchou a barriga
com força. Dez segundos depois soltou o ar quase roxa e deu um muxoxo.
Estamos perdidas, disse
para a senhora do espelho que precisava urgentemente retocar as raízes brancas
do cabelo.
E foi a vez dele, arrepiado
de frio, mirar-se e a seu pau encolhido. Logo embaixo da cintura formaram-se
duas protuberâncias molengas. Os pentelhos caíram quase todos. Meu Deus!
- pensou ele.
Temerosos de algum possível
confronto, passaram a se falar menos e a ler o jornal quase escondidos. As
notícias estavam cada vez mais assustadoras. Todos os dias homens grisalhos e
senhoras distintas apareciam na televisão para falar de sexo. Ela agora só
entrava na sala na hora da novela. Ele deu graças a Deus porque podia assistir
ao noticiário sozinho.
Quando ela viu, pendurada
na banca, uma revista mensal que trazia uma reportagem de trinta páginas sobre
o remédio, não resistiu e comprou num impulso impensado. Com a revista dobrada
debaixo do braço, seguiu numa direção qualquer que não fosse a do seu apartamento.
Depois de rodar com a revista durante quase meia hora, sem encontrar um só
banco de praça seguro, não aguentou mais e retomou o rumo de casa. Na volta,
comprou duas revistas femininas, uma de receitas dietéticas e a outra de
fofocas da televisão para disfarçar, fez um rolo gigante, enfiou a revista
secreta no meio, e adentrou o apartamento, pé ante pé.
Graças a Deus ele ainda não
estava em casa. Ela entrou apressada no quarto, olhou em volta e pensou num
lugar onde pudesse esconder a revista, coração aos pulos, arrependidíssima de
tê-la adquirido. Levantou uma parte do colchão e quase caiu desmaiada. Embaixo
do colchão já havia uma outra igualzinha. Xingou:
- Homem não presta mesmo.
Trancou-se no banheiro como um adolescente com sua revista e informou-se de tudo. Em seguida destruiu as provas: colocou a revista num saco de lixo e jogou pela lixeira abaixo. Verificou se não havia esquecido nada, nenhuma pista, arrumou a cama esticadinha e quando ouviu a chave na porta foi lavar umas louças.
- Homem não presta mesmo.
Trancou-se no banheiro como um adolescente com sua revista e informou-se de tudo. Em seguida destruiu as provas: colocou a revista num saco de lixo e jogou pela lixeira abaixo. Verificou se não havia esquecido nada, nenhuma pista, arrumou a cama esticadinha e quando ouviu a chave na porta foi lavar umas louças.
Sem-vergonha, pensou, vem
assoviando.Jantaram conversando os assuntos de sempre, só que agora ela não
perdia um só movimento ou suspiro dele. Nada passava despercebido. Ele ia ver
só.
Desse dia em diante, ela
passou a observá-lo até quando dormia para ver se pescava algum sonho indevido.
Vasculhava seus bolsos, cheirava as cuecas, ficava atenta aos telefonemas.
Muitas vezes ele flagrava a mulher, olhos fixos bem abertos em sua direção. Ele
levantava as sobrancelhas e perguntava baixinho:
- Que foi? Ela nunca se deu
ao trabalho de responder. Ela era metódica e disciplinada: quando
ouvia o chuveiro xeretava a roupa. Quando via da janela que ele havia dobrado a
esquina, revirava as gavetas. Como também trabalhava fora, não tinha muito
tempo sozinha para as inspeções.
Quem procura acha? Ele no
banho, ela sem óculos achou a embalagem, uma cartela de pílulas brancas
faltando três.
- Tomou três! - grunhiu a
mulher enfurecida. Quando ele saiu do banheiro encontrou a mulher pelada com
uma toalha na mão esperando do lado de fora. Ele arregalou os olhos e não pôde
deixar de olhá-la toda. Ela empinou o nariz fingindo indiferença e
murmurou:
- Pensei que tinha se
afogado aí dentro. E bateu a porta do banheiro esfumaçado. No mesmo dia,
assim que ele saiu, ela releu a revista dele e descobriu que o remédio era
azul, aliviada.
Um dia ele chegou em casa
mais cedo e ela estava grudada no vídeo, de óculos de grau e sobrancelhas
crispadas, sentada numa cadeira pertinho do aparelho, com o som alto e os olhos
atentos, tão envolvida com as notícias sobre as pílulas azuis que nem se deu
conta que ele havia chegado.
Ele, por sua vez, ficou tão
nervoso que saiu de fininho e entrou de novo, cantando bem alto. Ela desligou a
televisão rapidamente e pensou, furiosa:
- Sem-vergonha! Vem cantando...
- Sem-vergonha! Vem cantando...
Ela ficou muito
impressionada com a notícia de que três senhoras idôneas moveram uma ação na
justiça contra o laboratório que fabrica o remédio, pois seus velhos maridos de
sempre abandonaram-nas por outras sapecas, desmontando, com esse gesto, três
famílias decentes e americanas.
Noite e dia, ela só tinha um pequeno pensamento: Vai ver só.
Noite e dia, ela só tinha um pequeno pensamento: Vai ver só.
Quando o relógio velho de
cabeceira despertou uma hora mais cedo e ela vestiu calças jeans, sandálias e
blusa colorida e saiu para caminhar na praia pela primeira vez depois de mais
de dez anos, ele pulou da cama pensando: Aí tem coisa!
Quando ela se mancou e
substituiu as calças jeans por um short, uma viseira, um par de tênis e outro
de óculos escuros e saiu no mesmo horário, ele perdeu o sono pensando: Se
tem!
E o pior aconteceu quando o
short ficou frouxo porque ela havia emagrecido cerca de duzentos gramas e justo
na cintura. Bronzeada, ela pintou as raízes dos cabelos e aproveitou para
mudá-los de cor, sempre pensando:
Vai ver só!
Ele perdeu o apetite. Ela nem se preocupou:Assim você
emagrece.
Quando a secretária dele
precisou ligar num domingo consultando sobre uma matéria urgente, a mulher
sorriu entre os dentes: É ela!
E segunda-feira de manhã
apareceu de surpresa no escritório. Encontrou o marido no meio de uma reunião,
embaraçadíssimo com a visita inusitada. Ele apresentou a mulher aos colegas,
ofereceu-lhe um copo d´água e uma cadeira e pediu que ela aguardasse até que
concluíssem o que estavam fazendo.
Ela aguardou sentadinha, de
batom, com a bolsa no colo, de pernas de meias de seda cor da pele cruzadas e
parcialmente protegidas por uma saia preta quase justa. Vendo-o trabalhar,
seguro, competente, docemente autoritário, com as respostas na ponta da língua,
a mulher se pegou sorrindo sem querer e então olhou fixamente para a retina da
secretária e pensou: É meu.
Quando a reunião acabou ela
enfiou a mão com força no braço dobrado dele, levantou a cabeça, fez barulho de
propósito com os saltos e despediu-se da jovem secretária: Prazer em te
ver, filhinha.
Eles almoçaram num
restaurante no centro da cidade. Perto do trabalho dela. Escolheram uma mesinha
discreta no fundo. Ela conhecia muita gente. Não parava de cumprimentar
pessoas. Ele sentia-se deslocado e surpreso. Percebeu, atônito e desconcertado,
que alguns homens, tarados, olhavam para as pernas dela.
O almoço durou mais tempo
do que o esperado, tomaram até alguns chopes e quando atravessavam o
restaurante comprido de ponta a ponta para ir embora ele moldou seus cinco
dedos na nuca dela com mãos de alicate, encarando os demais fregueses e
pensando: É minha!
Terça-feira ele nem foi
trabalhar. O que essa louca está tramando? Deitado na cama de casal, sozinho,
imaginava-se vivendo sem ela e não conseguia. Olhava a louça por lavar, abria a
geladeira e mirava um a um, os alimentos frios com lágrimas nos olhos, pegava
os porta-retratos com fotos dos filhos, dos netos, olhava fixamente as camisas
brancas amassadas no cesto, encarava o varal cheio de roupas distantes lá no
alto e, vagando no apartamento silencioso, desatou a chorar.
De terça para quarta nenhum
dos dois dormiu. Ela, fingindo-se de desmaiada, mudava gemendo de uma posição
lânguida para outra posição lânguida. Ele espiava mas tinha muito medo de não
conseguir. Ele pensava: Ninguém entende as mulheres. Ela pensava: Está vendo
só?
Quarta-feira, como um boi
que se dirige ao abatedouro, ele foi ao médico, expôs seu caso, e solicitou o
remédio. Dirigiu-se a uma farmácia bem distante, pediu o remédio enganando que
era para seu avô velhinho, colocou a embalagem dentro do bolso e voltou para
casa. Assim chegando, escondeu o embrulho fechado no fundo da gaveta e foi
tomar um banho. E não é que havia mesmo emagrecido um pouquinho? A mulher
chegou do trabalho depois, cabelos escovados, unhas feitas, lembrando ao marido
esquecido que hoje era o dia das Bodas de Ouro dos pais dela.
Enquanto ele se embelezava
e ela se maquiava, tomaram dois copos cheios de uísque com gelo tirado de uma
garrafa antiga que ninguém lembrava que ainda existia por lá. Distintos e
perfumados partiram para a festa. Alegrinhos, falavam alto, riam à toa,
papeavam de rodinha em rodinha e de vez em quando seus olhares se
encontravam. Na hora da fotografia da família toda emparedada contra
os arranjos de flores exagerados, ele grampeou com a mão direita a nuca dela e
escorregou para as costas enquanto ela ainda estava séria e o fotógrafo pedia
sorriiisos! sorriiisos! e depois ele desceu a mão boba até a bochecha da bunda
e apertou e foi exatamente quando ela sorriu e o fotógrafo gritou jááááaáá! que
ela gritou cheeeeeeeese! porque ele estava tentando suspendê-la com
aquela mão de tesoura. Ela apertou as pernas, fechou os olhos, deixou a cabeça
balançar e cair bem no ombro dele às gargalhadas e só então estourou o
flasssssssssssssh! Dali mesmo foram direto para o motel mais próximo,
embriagados e felizes, onde reaprenderam a se esbaldar para sempre e sem
remédio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário