Livre divulgação, desde que citada a autoria.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

02. Namorado Bento



       A gente era feliz.
       Bento me levava ao cinema no dia de domingo.
       Bento beijou minha boca tão menina e acariciou pela primeira vez meus cabelos de baixo. Se eu dançasse com outro na festa ele jurava que nunca mais olharia meu rosto. Eu era fiel. Eu gostava de Bento.
       Ele tinha um cabelo tão pretinho e tão lisinho que dava vontade de ficar passando a mão no cabelo dele a noite inteirinha. Quem cortava o cabelo do Bento era eu, do jeito que ele gostava. Bento me ensinou a acender fósforo com uma mão só e depois me ensinou a fumar, me emprestou todos os seus livros de poesia e o primeiro porre que eu tomei na minha vida quem me acudiu foi o Bento. A Bento estudava inglês junto, depois ficava namorando em inglês no telefone, falando bobagem e os outros não entendiam.
       Crescemos juntos, eu e o Bento. Ele nem quis ir para os Estados Unidos para não se separar de mim. O pai dele ficou uma fera, mas ele teimou e não foi. Daí em diante o pai dele implicou comigo, mas a mãe gostava muito de mim, e depois o Bento nunca foi de obedecer assim sem mais nem menos não, ele era teimoso pra burro, só fazia o que achava certo, o pai implicava só no ouvido da mãe, se o Bento ouvisse uma palavra contra mim, saía até de casa. Eu nem tinha ciúmes das garotas do colégio que estudavam na casa dele, de tanto que eu sabia que o Bento gostava era de mim.
       No dia que o Bento entrou pra faculdade, eu fiquei tão feliz que chorei. Ele era inteligentíssimo, não tinha assunto que ele não falasse. O Bento era diferente de todos os outros garotos, tinha umas idéias modernas, não queria casar não, queria morar junto comigo. Por mim eu nem ligava, morar junto ou casar, eu queria era ter o Bento pertinho, dormindo, almoçando, jantando, vendo televisão, tomando banho.
       A primeira vez que eu vi o Bento sem roupa, sem roupa nenhuma mesmo, eu fiquei foi contente, me senti importante, mulher dele, dona dele. Ele nem ligava de tirar a roupa. Não tinha vergonha nem eu. Se a gente tivesse oportunidade ficava  logo nu. Eu não tinha vergonha nenhuma do Bento.
       Eu fico pensando por que não tive o Bento pro resto da minha vida. A gente era feliz de verdade. Ele me dava tanto presente que eu ficava até sem graça.
       Minha mãe gostava um bocado dele, qual a mãe que não gosta, ele era educado às pampas, bonito, bonitão mesmo. A gente jurava se amar até morrer, nunca se separar.
       Quando o Bento tirou carteira de motorista,  a gente matava aula e ia para uns lugares bem desertos onde não passava ninguém, tirava a roupa e ficava lá, se amando, se vendo, às vezes só conversando mesmo, só pra ficar assim sem roupa, um na frente do outro. Ele dizia que nunca nenhum outro homem ia me ver assim.
       A gente cresceu junto, a gente se entendia só de olhar. Igual ao Bento não tem outro neste mundo. Eu via os namorados das minhas amigas, nenhum se comparava ao Bento. Não chegavam nem aos pés.
       Depois ele foi trabalhar naquela droga daquela obra lá longe, só vinha fim-de-semana, coitado, vinha cansado, tão abatido, às vezes nem dormia, largava o trabalho de noite, pegava o carro e vinha direto, passava na minha casa, tomava banho, já era assim como meu noivo.Eu fazia comida pra ele, eu mesma, não queria que ninguém cozinhasse pro Bento.
       Ele às vezes cochilava deitado no meu colo, chegou até a roncar algumas vezes, me dava vontade de proteger o Bento, de trabalhar pra ele, de ter muito dinheiro pra ele não precisar mais ir naquela lonjura daquela obra. Ele dizia que quando acabasse o contrato ia morar comigo, trabalhar bem pertinho e que vinha almoçar em casa todo dia.
       Nas férias, também, a gente descontava, passeava o dia todo, namorava, eu não deixava ninguém aborrecer o Bento, não deixava ele fazer nada, queria que ele descansasse. Eu chegava a amolar o Bento de tanto cuidado que eu tinha com ele.
       A gente ia ser feliz pra sempre, de verdade, até ficarmos velhinhos eu ia gostar do Bento, gostar de conversar com o Bento, de ficar abraçada  com ele, passando a mão no cabelo dele.
       Depois aquela droga de obra tão longe. Eu ficava preocupada com ele dirigindo de noite, cansado, eu ficava tão aflita, não precisava o Bento se sacrificar assim.
       Eu tenho muita, muita saudade do Bento, tanta saudade que eu nem sei.
       Em três anos me formo. Em alguns anos me caso? Em alguns anos esqueço o Bento? Vou trabalhar, vou andar na rua, vou ter filhos, envelhecer, ir ao cinema sem o Bento?
       Eu não sei viver sem o Bento. Eu não quero viver sem o Bento. Eu não vivo sem o Bento.

Eu devia ter matado aquele chofer de caminhão. Eu devia ter arrancado, com minhas mãos, o Bento do meio daquelas ferragens. Eu devia ter morrido lá, com ele.

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