A gente era feliz.
Bento me levava ao
cinema no dia de domingo.
Bento beijou minha
boca tão menina e acariciou pela primeira vez meus cabelos de baixo. Se eu
dançasse com outro na festa ele jurava que nunca mais olharia meu rosto. Eu era
fiel. Eu gostava de Bento.
Ele tinha um cabelo
tão pretinho e tão lisinho que dava vontade de ficar passando a mão no cabelo
dele a noite inteirinha. Quem cortava o cabelo do Bento era eu, do jeito que
ele gostava. Bento me ensinou a acender fósforo com uma mão só e depois me
ensinou a fumar, me emprestou todos os seus livros de poesia e o primeiro porre
que eu tomei na minha vida quem me acudiu foi o Bento. A Bento estudava inglês
junto, depois ficava namorando em inglês no telefone, falando bobagem e os
outros não entendiam.
Crescemos juntos, eu e
o Bento. Ele nem quis ir para os Estados Unidos para não se separar de mim. O
pai dele ficou uma fera, mas ele teimou e não foi. Daí em diante o pai dele
implicou comigo, mas a mãe gostava muito de mim, e depois o Bento nunca foi de
obedecer assim sem mais nem menos não, ele era teimoso pra burro, só fazia o
que achava certo, o pai implicava só no ouvido da mãe, se o Bento ouvisse uma
palavra contra mim, saía até de casa. Eu nem tinha ciúmes das garotas do
colégio que estudavam na casa dele, de tanto que eu sabia que o Bento gostava
era de mim.
No dia que o Bento
entrou pra faculdade, eu fiquei tão feliz que chorei. Ele era inteligentíssimo,
não tinha assunto que ele não falasse. O Bento era diferente de todos os outros
garotos, tinha umas idéias modernas, não queria casar não, queria morar junto comigo.
Por mim eu nem ligava, morar junto ou casar, eu queria era ter o Bento
pertinho, dormindo, almoçando, jantando, vendo televisão, tomando banho.
A primeira vez que eu
vi o Bento sem roupa, sem roupa nenhuma mesmo, eu fiquei foi contente, me senti
importante, mulher dele, dona dele. Ele nem ligava de tirar a roupa. Não tinha
vergonha nem eu. Se a gente tivesse oportunidade ficava logo nu. Eu não tinha vergonha nenhuma do
Bento.
Eu fico pensando por
que não tive o Bento pro resto da minha vida. A gente era feliz de verdade. Ele
me dava tanto presente que eu ficava até sem graça.
Minha mãe gostava um
bocado dele, qual a mãe que não gosta, ele era educado às pampas, bonito,
bonitão mesmo. A gente jurava se amar até morrer, nunca se separar.
Quando o Bento tirou
carteira de motorista, a gente matava
aula e ia para uns lugares bem desertos onde não passava ninguém, tirava a
roupa e ficava lá, se amando, se vendo, às vezes só conversando mesmo, só pra
ficar assim sem roupa, um na frente do outro. Ele dizia que nunca nenhum outro
homem ia me ver assim.
A gente cresceu junto,
a gente se entendia só de olhar. Igual ao Bento não tem outro neste mundo. Eu
via os namorados das minhas amigas, nenhum se comparava ao Bento. Não chegavam
nem aos pés.
Depois ele foi
trabalhar naquela droga daquela obra lá longe, só vinha fim-de-semana, coitado,
vinha cansado, tão abatido, às vezes nem dormia, largava o trabalho de noite,
pegava o carro e vinha direto, passava na minha casa, tomava banho, já era
assim como meu noivo.Eu fazia comida pra ele, eu mesma, não queria que ninguém
cozinhasse pro Bento.
Ele às vezes cochilava
deitado no meu colo, chegou até a roncar algumas vezes, me dava vontade de
proteger o Bento, de trabalhar pra ele, de ter muito dinheiro pra ele não precisar
mais ir naquela lonjura daquela obra. Ele dizia que quando acabasse o contrato
ia morar comigo, trabalhar bem pertinho e que vinha almoçar em casa todo dia.
Nas férias, também, a
gente descontava, passeava o dia todo, namorava, eu não deixava ninguém
aborrecer o Bento, não deixava ele fazer nada, queria que ele descansasse. Eu
chegava a amolar o Bento de tanto cuidado que eu tinha com ele.
A gente ia ser feliz
pra sempre, de verdade, até ficarmos velhinhos eu ia gostar do Bento, gostar de
conversar com o Bento, de ficar abraçada
com ele, passando a mão no cabelo dele.
Depois aquela droga de
obra tão longe. Eu ficava preocupada com ele dirigindo de noite, cansado, eu
ficava tão aflita, não precisava o Bento se sacrificar assim.
Eu tenho muita, muita
saudade do Bento, tanta saudade que eu nem sei.
Em três anos me formo.
Em alguns anos me caso? Em alguns anos esqueço o Bento? Vou trabalhar, vou
andar na rua, vou ter filhos, envelhecer, ir ao cinema sem o Bento?
Eu não sei viver sem o
Bento. Eu não quero viver sem o Bento. Eu não vivo sem o Bento.
Eu devia ter matado aquele
chofer de caminhão. Eu devia ter arrancado, com minhas mãos, o Bento do meio
daquelas ferragens. Eu devia ter morrido lá, com ele.
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