Quando você era casado
eu era a única.
Depois você separou e
ficou livre e saliente, e aí era um tal de não se amarrar pra cá, não se
prender pra lá, Claudinha pra cá, Fernandinha pra lá, num sistema de
revezamento onde perdi meu rosto.
Sem rosto e sem você,
eu já não dizia palavra inédita, só fazia repetir as vozes das outras mulheres
na sua cama solteira por arrumar entre copos sujos dágua e pratos sujos de
omelete que eu, burra, ia lá e lavava. E foi comendo omelete que engordei cinco
quilos e foi lavando seus pratos sujos de omelete que mudei meu nome pra Maria.
Maria, gorda, sem
rosto, você não era tão bonito de manhã quanto eu imaginava e feio entre os
lençóis de dormir-mesmo ainda teve a ousadia de chorar de saudades
olhando o retrato de noiva da sua mulher. Eu-mesma sugeri que você
telefonasse, encontrasse, e voltasse pra ela pois quando você era casado eu era
única. Depois você separou e ficou
amarrotado e independente, emprestei livros de romance onde o marido fica coma
esposa no final, e falei que lugar do pai é ao lado dos filhos, que isso eu não
nego, e você se comoveu a ponto de fumar vinte e dois cigarros em duas horas,
fora os sete que esqueceu acesos queimando na beirada dos móveis que eu
ia limpar.
Quando você voltou
definitivamente pra ela eu comprei uma-blusa-vermelha-de-um-ombro-só-de-amante-impossível
e penteei os cabelos com um penteado de amar-depressa-e-escondido-com-toda-a-sofreguidão-que-você-puder-em-cinquenta-e-cinco-minutos:
hora de almoço da firma.
Achei meu nome no seu
verso meu rosto no banco de trás do seu carro e ainda bem que ela não reparou,
tão distraída. Quando ela quis outro filho eu abortei no sábado sem nem te
dizer, e domingo ela estava fértil e eu estava dura. Quando o herói nasceu eu
tinha cinco namorados-de-vingança e o sexto conheci rondando a
maternidade pra ver se você ia sair abraçado com ela. Ele era anestesista,
filho único e tinha mania de guardar palito de fósforo usado dentro da caixa
outra vez. Eu fiquei noiva, você ficou arrasado, e ela ficou desconfiada.
Quando meu noivo não
apareceu no sábado sem telefonar eu tive certeza que ele estava morto, e você
ainda teve a petulância de me mostrar as mãos sujas de sangue como prova
incontestável de que o autor do crime era você.
A ex-namorada do meu
ex-noivo chorou alto no velório, loura, alta e virgem de unhas feitas, chorou
de escorrer o nariz na minha blusa, chorei também (sem escorrer o nariz na
blusa dela), mentindo: ele sempre falava de você.
Quando seu filho
disse: papai, você trouxe pra eu ver, ele era a sua cara e você disse: vai
com a moça e ele veio pesar tantos quilos nos meus braços.
Depois eu soube que
sua esposa usava delineador e a pulseira de cordas que eu esqueci no banco do
seu carro e que você mentiu que havia comprado pra ela, e que usava perfume
forte no dia que demos de cara com ela no elevador.
Daí em diante ela
soube e eu soube que ela fez cena e contas em dinheiro e fez as pazes no dia do
aniversário daquele primo grisalho que é militar e mora na Barra, eu vi a foto
dos primos todos sorrindo reunidos em casais.
Depois que ela soube
tudo ficou mais fácil. Eu até posso telefonar pra sua casa domingo de tarde que
ela, em sinal de protesto/aliança, jamais atende àquela hora convencionada por
nós três.
Silenciosamente solidárias, convivemos uma com o fantasma da outra, e com o tempo, nem adianta ela querer negar, já nos simpatizamos à muda distância, e se não fosse um noivo morto no coração de cada um de nós, diria que estamos felizes para sempre.
Silenciosamente solidárias, convivemos uma com o fantasma da outra, e com o tempo, nem adianta ela querer negar, já nos simpatizamos à muda distância, e se não fosse um noivo morto no coração de cada um de nós, diria que estamos felizes para sempre.
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