Livre divulgação, desde que citada a autoria.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Eu, tu, ele ou ela

Quando você era casado eu era a única.
Depois você separou e ficou livre e saliente, e aí era um tal de não se amarrar pra cá, não se prender pra lá, Claudinha pra cá, Fernandinha pra lá, num sistema de revezamento onde perdi meu rosto.

Sem rosto e sem você, eu já não dizia palavra inédita, só fazia repetir as vozes das outras mulheres na sua cama solteira por arrumar entre copos sujos dágua e pratos sujos de omelete que eu, burra, ia lá e lavava. E foi comendo omelete que engordei cinco quilos e foi lavando seus pratos sujos de omelete que mudei meu nome pra Maria.

Maria, gorda, sem rosto, você não era tão bonito de manhã quanto eu imaginava e feio entre os lençóis de dormir-mesmo ainda teve a ousadia de chorar de saudades olhando o retrato de noiva da sua mulher. Eu-mesma sugeri que você telefonasse, encontrasse, e voltasse pra ela pois, quando você era casado eu era única. (Depois você separou e ficou amarrotado e independente), emprestei livros de romance onde o marido fica coma esposa no final, e falei que lugar do pai é ao lado dos filhos, que isso eu não nego, e você se comoveu a ponto de fumar vinte e dois cigarros em duas horas, fora os sete que esqueceu acesos queimando na beirada dos móveis que eu ia limpar.

Quando você voltou definitivamente pra ela eu comprei uma-blusa-vermelha-de-um-ombro-só-de-amante-impossível e penteei os cabelos com um penteado de amar-depressa-e-escondido-com-toda-a-sofreguidão-que –você-puder-em-cinquenta-e-cinco-minutos: hora de almoço da firma.

Achei meu nome no seu verso meu rosto no banco de trás do seu carro e ainda bem que ela não reparou, tão distraída.
Quando ela quis outro filho eu abortei no sábado sem nem te dizer e domingo ela estava fértil e eu estava dura. Quando o herói nasceu eu tinha cinco namorados-de-vingança e o sexto conheci rondando a maternidade pra ver se você ia sair abraçado com ela. Ele era anestesista, filho único e tinha mania de guardar palito de fósforo usado dentro da caixa outra vez. Mesmo assim eu fiquei noiva e você ficou arrasado e ela ficou desconfiada.

Quando meu noivo não apareceu no sábado sem telefonar eu tive certeza que ele estava morto e você ainda teve a petulância de me mostrar as mãos sujas de sangue como prova incontestável de que o autor do crime era você.

A ex-namorada do meu ex-noivo chorou alto velório, louro, alta e virgem de unhas feitas, chorou de escorrer o nariz na minha blusa, chorei também (sem escorrer o nariz na blusa dela), mentindo: ele sempre falava de você.
Quando seu filho disse: papai, você trouxe pra eu ver, ele era a sua cara e você disse: vai com a moça e ele veio pesar tantos quilos nos meus braços.

Depois eu soube que sua esposa usava delineador e pulseira de cordas que eu esqueci no banco do seu carro e que você mentiu que havia comprado pra ela, e que usava perfume forte no dia que demos de cara com ela no elevador.
Daí em diante ela soube e eu soube que ela fez cena e contas em dinheiro e fez as pazes no dia do aniversário daquele primo grisalho que é militar e mora na Barra, eu vi a foto dos primos todos sorrindo reunidos em casais.

Depois que ela soube tudo ficou mais fácil. Eu até posso telefonar pra sua casa domingo de tarde que ela, em sinal de protesto/aliança, jamais atende àquela hora convencionada por nós três.

Silenciosamente solidárias, convivemos uma com o fantasma da outra, e com o tempo, nem adianta ela querer negar, já nos simpatizamos à muda distância e se não fosse um noivo morto no coração de cada um de nós, diria que estamos felizes para sempre.

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